A autoridade docente e os modos de agir no espaço escolar na interação professor-aluno

A autoridade docente e os modos de agir no espaço escolar na interação professor-aluno


Texto publicado por José Manuel Resende, Luís Gouveia & David Beirante, em 2022, nas Atas do III Colóquio Internacional de Ciências Sociais da Educação.


Resumo:

A massificação da escolarização constitui um elemento incontornável de enquadramento quando se analisa as sociabilidades no espaço escolar, trazendo o alargamento da escolaridade obrigatória profundas mutações para as interações que se desenrolam no quotidiano escolar. De um lado, a escola deixa de ser um espaço reservado para o trabalho, passando igualmente a ser um espaço de cultivo de sociabilidades e onde a cultura escolar coexiste com objetos oriundos da cultura massas. Por outro lado, este quadro de complexificação do quadro social estudantil é necessariamente acompanhado de uma complexificação do trabalho docente, nomeadamente, nas composições que presidem às formas de agir com os alunos, onde questões como a afetividade, enquadrada num envolvimento de proximidade, pode ser um elemento que assume relevo nas lógicas atuantes na relação com a figura do discente – formas de agir essas que se mostram compósitas e que não deixam de assentar em rotinas incertas e que transportam incertezas do ponto de vista das suas consequências e efeitos na relação com os alunos e o estatuto profissional dos docentes. Estendendo-se esta complexidade relacional aos vários momentos e espaços escolares, é na sala de aula enquanto território específico de interação que estas lógicas atuantes assumem também especificidades do ponto de vista das dificuldades e dilemas colocados ao professor, em particular, do ponto de vista da gestão da autoridade enquanto elemento central nas apreciações críticas destes profissionais relativamente ao seu quotidiano. É em resultados obtidos de uma tese de doutoramento (mas igualmente antecedida e com contributos de outras incursões nas escolas no âmbito de um programa de pesquisa mais abrangente) e que abarca diferentes técnicas de recolha e análise de dados – nomeadamente, entrevista semidiretiva e questionário por cenários – que a presente comunicação se fundamenta. Tendo na relação docente-discente uma dimensão central de análise, é a partir de um olhar praxeológico, centrado nas práticas e operações críticas dos atores, que se pretende evidenciar estas complexas composições nas formas de agir nas interações entre estes protagonistas.

O tempo acidentado na escolarização:

O tempo acidentado na escolarização:

Tempos desigualados, tempos


Texto publicado por José Manuel Resende, nas Atas do XXVI Colóquio da AFIRSE Portugal – Tempos, Espaços e Artefactos em Educação, em 2020.


Resumo:

Reconheço o que é o tempo se não refletir sobre ele; mas se tiver o desejo de refletir sobre o que é o tempo, já não sei o que é. Estas ideias de Norbert Elias (1996) sobre as dificuldades em atribuir uma definição sociológica sobre o tempo faz admitir outras possibilidades de o pensar, quer em termos mais abstratos, quer em termos mais concretos. E é na sua tangibilidade experiencial que o próprio sociólogo alemão nos conduz nos seus pensamentos sobre este assunto. E, neste sentido, ele acrescenta que o tempo continua a ser misterioso para os humanos quando ele assume um dado caráter instrumental, mas o mesmo não sucede ao encararmos os relógios como instrumentos que os homens construíram e utilizam em função das exigências da sua vida em comunidade. Ora, e ainda seguindo Elias, sem a instrumentação do tempo e da sua representação em objetos diversos, como a sua exibição em múltiplos quadros, tornava-se difícil produzir um entendimento comum e prático sobre os significados daquilo a que denominamos o tempo. É, por isso, que Elias ensaia pensar sobre o tempo que passa e não sobre o que é o tempo. As suas cogitações sobre o tempo requerem que o seu foco se desloque para a possibilidade que este dá para a compreensão dos acontecimentos que perpassam a vida das comunidades humanas. Estas comunidades são tidas nas suas múltiplas configurações espaciais. Neste sentido, o entendimento sobre aquilo que vai acontecendo na vida do dia-a-dia dos humanos só é possível fazer-se nas tessituras de que resultam os factos e os fenómenos sociais significativos.A experimentação sobre aquilo que se passa na vida de cada um e de todos deixa de estar exclusivamente reservado ao que é esperado. Isto é, deixa de ser referenciado somente àquilo que sempre sucede ou acontece nas circunstâncias que envolvem o que habitualmente fazem nos tempos que acompanham as suas tarefas diárias. Não ficar exclusivamente preso àquilo que é tomado pelos nossos hábitos e rotinas é um outro ensinamento das experiências comuns, mas Elias não lhe dá a atenção devida. Com este desdobramento para o tempo que envolve acontecimentos inesperados não retira a importância à avaliação que cada um faz do tempo que acompanha as ocorrências habituais, aquelas que reconhecemos de imediato como constitutivas daquilo que somos capazes de fazer (Boltanski, 1990; Ricoeur, 1990, 2009) porque justamente as fazemos recorrentemente. E estefazer recorrente comprova precisamente as capacitações possíveis em cada momento do tempo que perpassa o que se faz nas ocorrências diárias reconhecidas. O tempo que aparece agarrado a qualquer coisa que sucede sem esperamos é um outro tempo que se acrescenta às avaliações feitas aos tempos aos quais não conseguimos de todo contornar. Raiam sempre desde que acordamos diariamente. A este tempo incerto pela sua natureza inesperada, por vezes quase inédita, talvez se possa designar por tempo acidentado. Examino assim por duas razões. A primeira é porque este tempo é um tempo irregular em face da regularidade dos outros tempos; a segunda porque os efeitos que são transportados pelos acontecimentos que lhes conferem tangibilidade podem eventualmente produzir mais equívocos ou mal-entendidos (Serres, 1996). Levantar a questão da equivocidade nas interpretações sobre as temporalidades não se cingem só aos tempos acidentados. Estas estão presentes em todos os tempos que passam que se acoplam aos acontecimentos constitutivos da espessura dos dias (Ricouer, 1990, 2009). Ora, justamente dos seus efeitos que os mal-entendidos brotam, amiúde, com a força pelo choque que deles ecoa. No entanto, os equívocos ligados às passagens do tempo reconhecido são por hipótese ou mais controláveis ou pelo menos com uma corrosividade menos intensa nos seres neles envolvidos. Assim, da acuidade a dar ao tempo acidentado na interpretação daquilo que o seu discernimento permite aos juízos dos humanos para se confrontarem com as suas artes de fazer, socorro-me das meditações deixadas por Michel de Certeau (1990, 1993) quando este historiador trabalha sobre as experiências comuns colhidas das vivências urbanas. Todavia as experiências comuns nas existências e vivências urbanas são pontuadas por múltiplas vozes na figura de múltiplas pessoas que se envolvem em regimes de ação nem sempre convergentes, mas em que as consequências das suas condutas ganham significância na sua contextualização, mesmo que esta mostre contornos descontextualizados.Neste último caso, as referências aludidas nas suas apreciações remetem sempre para ocorrências acontecidas ou que têm estado a ocorrer. Assim, no complemento aos ensinamentos deixados por De Certeau valo- me dos contributos que têm sido desenvolvidos por Laurent Thévenot (2006, 2014) nas suas análises sobre os modos de se fazer a comunalidade no plural. Isto significa que a experiência humana vai-se dando conta gradativamente que do tempo dos acontecimentos habituais vai ter de lidar com o tempo das ocorrências inesperadas, acidentais, contingenciais. O dar-se conta da onerosidade do tempo – habitual ou inesperado – significa que as descobertas da sua relevância a partir dos seus efeitos faz-se no confronto com ambiências, ingredientes – aquilo que entra no confronto -, mesmo que menores (Piette, 1996), mas que suscitam aos seres envolvidos questionamentos vários. Neste sentido se há tempos celebrativos que estão já calendarizados e que fazem parte da cronologia histórica das suas comunidades políticas; se há outros tempos celebrativos que adentram nas vidas individuais e no vivido pelas famílias a que pertencem, estes tempos de comemoração não são os únicos a ter em atenção. Há outros tempos, mesmo que menores, de casos verificados ou a averiguar que também entram neste jogo analítico apesar da sua menor valoração individual ou coletiva. De um outro lado, na sucessão das gerações há outros tempos celebrativos que se acrescentam aos calendários institucionalizados. Assim se o tempo contribui para a institucionalização dos acontecimentos marcantes para a coletividade e para os indivíduos, o tempo não se esgota nem se encerra no tempo passado.Apresenta também o seu lado instituinte de outros acontecimentos que se tornam relevantes justamente através dos usos do tempo que os vai atravessando (Descombes, 1996). Pelas práticas exteriorizáveis ocorridas naquelas ocorrências, estas destoam-se das ações reguladas pelas regras instituídas e ligadas aos tempos celebrativos. Assim os tempos regulados e regulares compassadamente usados são estorvados por tempos irregulares e desregulados descompassadamente, isto é, realizados sem a medida da regra. Manifestamente a experimentação dos tempos complexifica-se, adensa-se ao pluralizar os hábitos e ao multiplicarem-se as referências que lhes conferem sentido. E deste modo leva-nos a tomar em consideração os tempos dos imprevistos sem esquecer o lado contingencial das consequências dos acontecimentos previstos, dos quais as suas ocorrências podem ser ou não ser previsíveis. Importa também ter em consideração os atos de exploração (Auray, 2011) que, por vezes, o tempo dos acontecimentos tornam possível. Esta exploração sobrevém mesmo em tempos acidentados, inesperados, que os seres ao não terem sobre eles o mesmo controlo sobre as suas consequências fazem-nos a assumir o risco de os sondar ou indagar de outras formas e com outros conteúdos (Simmel, 1999). Nasce com a excitação da curiosidade. E socorre-se de gestos tateantes, sem plano à vista, previamente pensado como tal, mas com os seus resultados este pode vir a ser o seu maior beneficiário.O reconhecimento da complexidade da apreensão dos tempos pelas experiências dos acontecimentos vai sendo gradativa e sempre em função dos significados retidos pelas provas que testam as suas vivências naqueles espaços e por aqueles tempos. Aliás, a própria mobilidade de circulação, por exemplo, as migrações, contribuem progressivamente para acelerar este confronto das experiências em função de tempos comuns e de tempos incomuns, ou de tempos reconhecidos e tempos que se estão a reconhecer como exequíveis. E a experiência da deslocação que esta mobilidade proporciona adentra nas experimentações das suas vidas em outros espaços, nomeadamente em espaços que se reurbanizam ou cuja urbanização estende os seus territórios que outrora eram mais circunscritos. Daqui resulta que a relevância individual e coletiva dada à experimentação dos tempos tanto na sua sincronia como na sua diacronia também se objetiva pela natureza da sua própria espessura. E é a densidade temporal dos acontecimentos que aparece sempre articulada com múltiplas referências que lhe confere determinados significados, uns concordantes e outros discordantes, que orientam os regimes de envolvimento da ação (Thévenot, 2006) a si ajustados, ou os suspendem em função da sua natureza, das suas ligações aos múltiplos ambientes.